14 abril 2010

O "Olé" segundo Elizabeth Gilbert

A autora do livro "Comer, rezar e amar" acredita que a criatividade é uma entidade exterior as pessoas

Em fevereiro do ano passado a escritora norte americana Elizabeth Gilbert deu uma palestra para o site TED Ideias Worth Spreading - até hoje ainda entre os favoritos dos leitores do site -, onde falou sobre as coisas impossíveis que esperamos dos artistas e gênios e sobre a idéia radical de que, em vez dessas pessoas raras "serem" gênios, todos nós deveriamos "ter" um gênio. É um relato pessoal, bem humorado e emocionante.

Quase ao final de sua fala ela conta sobre a origem do "Olé", essa interjeição usada pelos espanhóis para mostrar aprovação a um artista. Segue a transcrição do trecho do vídeo:

"(...) séculos atrás nos desertos do norte da África, as pessoas se encontravam para fazer música e dançar ao luar que duravam horas, até o amanhecer. E elas eram magníficas porque os dançarinos eram profissionais eles eram incríveis, sabe? Mas uma vez ou outra, raramente, acontecia alguma coisa, e um desses bailarinos realmente transcendia. E eu sei que vocês sabem do que estou falando, porque eu sei que todos vocês já viram, em algum momento de sua vida, uma atuação como esta. E foi como se o tempo parasse, e o dançarino entrasse numa espécie de portal e ele não fazia nada diferente do que vinha fazendo desde há mil noites atrás mas é como se tudo se alinhasse. E não mais que de repente ele deixasse de ser apenas humano. E ele era iluminado de dentro para fora, e debaixo para cima, todo iluminado pelo fogo divino.


E quando isso acontecia, naquele tempo, as pessoas sabiam do que se tratava e a chamavam pelo nome. Elas juntavam as mãos e cantavam, "Alá, Alá, Alá, Deus, Deus, Deus". Era Deus, entendem? Uma nota de rodapé curiosa -- historicamente, quando ou mouros invadiram a Espanha, eles levaram consigo esse costume e sua pronúncia mudou com o passar do tempo, de "Alá, Alá, Alá, para Olé, olé, olé" que ainda se ouve em touradas e danças flamencas. Na Espanha, quando um artista faz alguma coisa impossível e mágica, "Alá, olé, olé, magnífico, bravo" é algo incompreensível é um lampejo de Deus. O que é ótimo, porque nós precisamos dele.


Mas a parte complicada acontece na manhã seguinte, para o dançarino, quando ele acorda e descobre que é terça feira são 11 da manhã e ele não é mais um lampejo divino. Ele é apenas um mortal que está envelhecendo com joelhos estourados, e quem sabe ele nunca mais suba tão alto. E que talvez ninguém mais cante seu nome outra vez enquanto ele gira, e então, o que ele deve fazer com o resto de sua vida? É difícil. Esta é um dos mais dolorosos acertos a se fazer numa vida criativa. Mas digamos que isso não tenha que ser tão angustiante se você nunca acreditar, em primeiro lugar, que os aspectos mais extraordinários do seu ser vem de você. Quem sabe seja melhor acreditar que eles são emprestados a você por uma fonte inimaginável de uma parte rara de sua vida que será passada para alguém quando você partir. E acreditem, se a gente pensa nisso desta forma, tudo começa a mudar.

Foi assim que eu comecei a pensar, e é assim que tenho pensado nesses últimos meses enquanto trabalho no livro que devo publicar em breve a tal perigosa, apavorante e muito aguardada continuação do meu louco sucesso.


E o que eu digo a mim mesma quando eu fico realmente enlouquecida com isso, é: não tenha medo. Não desanime. Apenas faça o seu trabalho. Continue a comparecer para fazer sua parte, seja ela qual for. Se seu trabalho é dançar, dance. E se o gênio divino e maroto que foi designado para acompanhar o seu caso permitir que através do seu esforço aconteça um lampejo maravilhoso, então, "Olé"! E se não, faça a sua dança,do mesmo jeito, e "Olé" para você da mesma forma. Eu acredito nisso e acho que devemos ensinar isso uns aos outros. "Olé!" para você, apesar de tudo, simplesmente por possuir esse puro amor humano e a teimosia de continuar aparecendo para fazer a sua parte.
"
- Elizabeth Gilbert


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